BRASÍLIA – Em seus discursos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e integrantes do seu governo execram a ditadura militar e prometem reparar os danos causados às vítimas e aos seus familiares. Surfam no sucesso de crítica e bilheteria de “Ainda Estou Aqui”, filme que retrata o desaparecimento do ex-deputado federal Rubens Paiva. Mas os trabalhos de identificação de ossadas dos mortos pelo regime e a busca por mais estão emperrados por falta de dinheiro.

A deflagração do golpe que em 1964 derrubou João Goulart, presidente eleito nas urnas, e colocou os militares no comando do país, completa mais um aniversário em 31 de março. ados 61 anos, ainda há centenas de desaparecidos durante o regime que durou até 1985. Após muita pressão, o governo Lula retomou em agosto do ano ado a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), mas sem recursos garantidos para o colegiado

“Com relação ao orçamento da CEMDP, o Projeto de Lei Orçamento de 2025 ainda não foi apreciado e aprovado no Congresso Nacional, de modo que impossibilita precisar os valores que estarão disponíveis para o cumprimento das atividades. A projeção, somados o orçamento federal e as emendas parlamentares, é que a CEMDP tenha algo próximo de R$ 3 milhões para a execução dos seus trabalhos no ano”, disse a assessoria do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania em nota.

A CEMDP é vinculada ao ministério. Representante de familiares na comissão, Diva Soares Santana, de 80 anos, diz que sem o dinheiro não há como seguir com os trabalhos do colegiado. “A comissão não tem recurso, o que não permite operação de buscas a vítimas da ditadura, com visitas em locais onde estariam os restos mortais. A gente espera que em 2025 sejam atendidas as nossas demandas”, afirma. 

Diva, por exemplo, ainda espera informações oficiais sobre o destino da irmã Dinaelza Soares Santana Coqueiro e do cunhado Vandick Reidner Pereira Coqueiro. Casados e integrantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), eles desapareceram durante a repressão à Guerrilha do Araguaia, no Pará, em que ela usava o nome de Maria Dina e ele era conhecido como João Goiano. 

Dinaelza  tinha 22 anos quando abandonou a Universidade Católica de Salvador, onde cursava o segundo ano de geografia, para aderir à luta armada pelo fim da ditadura. Pesquisas mostraram que ela foi morta por militares em 25 de dezembro de 1973, em meio à área de floresta onde atuavam os guerrilheiros. 

Na certidão de óbito entregue à família após a instalação da CEMDP, não constam informações básicas de como Dinaelza morreu, nem onde foi sepultada. “Eu e meus irmãos queremos essas respostas, além de pedidos públicos de desculpas e de perdão do governo. É o que também esperam os parentes de outros desaparecidos”, ressalta Diva, que mora em Salvador (BA). Além de Diva, Dinaelza deixou outros quatro irmãos.

Comissão foi extinta no governo de Jair Bolsonaro

Diva participa da CEMDP desde a criação, em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A comissão funcionou ininterruptamente até dezembro de 2022, quando, na última semana do governo de Jair Bolsonaro (PL), foi extinta. A maioria dos integrantes do colegiado era alinhada a Bolsonaro. O Executivo indica quatro dos sete membros. Entre os outros três, estava Vera Paiva, filha de Rubens Paiva.

Apenas os três membros não indicados por Bolsonaro votaram contra o fim da comissão – Diva, Vera e o representante do Ministério Público Federal (MPF). Na ocasião, Diva estava prestes a obter certidões de óbito corrigidas da irmã e do cunhado. Com o fim da comissão, o trabalho foi interrompido. Aos 71 anos, Vera é docente na Universidade de São Paulo (USP) e ainda milita pelos direitos humanos.

Capitão reformado do Exército, Bolsonaro mudou a composição da CEMDP em 2019, após o órgão reconhecer que o Estado brasileiro foi responsável pelo desaparecimento de Fernando Santa Cruz, pai do então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz. “Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto para ele. Ele não vai querer ouvir a verdade”, disse Bolsonaro na ocasião.