BRASÍLIA — O Supremo Tribunal Federal (STF) planeja ouvir, na terça-feira (1º), a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP). Ela é ré pelo crime de invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e iria depor ao gabinete do ministro Alexandre de Moraes nesta quinta-feira (26).
Zambelli não foi à audiência e apresentou justificativas médicas. O advogado que a representa, Daniel Leon Bialski, informou no início da sessão que ela sofreu um mal súbito nessa quarta-feira (25) à noite e está internada no Hospital do Coração, em São Paulo.
Apesar da ausência de Zambelli, a audiência correu com a presença do hacker Walter Delgatti Neto, que também é réu na ação. A investigação da Polícia Federal (PF) concluiu que a deputada pagou o hacker para invadir o sistema do CNJ e para inserir dados falsos — 11 alvarás de soltura para suspeitos presos e um mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), assinado pelo próprio ministro.
À PF, em agosto do ano ado, Delgatti afirmou que Zambelli pagou R$ 40 mil a ele pelo serviço. Ela nega as acusações.
Depois que a polícia concluiu o inquérito, a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou uma denúncia no Supremo Tribunal Federal contra Carla Zambelli e Walter Delgatti Neto pelos crimes de invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica. O ministro relator, Alexandre de Moraes, votou para torná-los réus. A decisão foi referendada pelos demais ministros que compõem a Primeira Turma do STF — Cármen Lúcia, Luiz Fux, Cristiano Zanin e Flávio Dino.
Os depoimentos que o STF começou a coletar na segunda-feira (23) compõem a etapa de instrução processual, quando são coletadas as provas e ouvidos acusados e testemunhas. Zambelli e Delgatti foram intimados a depor nesta quinta-feira.
Testemunhas de defesa de Zambelli depõem, e presidente do PL se estranha com advogado do hacker 1152m
A audiência desta quinta-feira começou com o depoimento de Rosfran Lins Borges, que é servidor da área de Tecnologia de Informação do CNJ. As credenciais dele foram usurpadas por Delgatti e usadas para invadir o sistema. Em depoimento à distância, o servidor confirmou que soube da invasão em 5 de janeiro do ano ado, enquanto cumpria o período de recesso do Judiciário.
Ele detalhou ter participado de reuniões com peritos da Polícia Federal após o ataque e indicou que o principal sistema danificado pela invasão foi o Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), onde Delgatti inseriu os alvarás de soltura falsos. O servidor do CNJ também confirmou que os sistemas foram aprimorados após o ocorrido.
Às declarações dele se seguiram depoimentos de três testemunhas definidas pela defesa de Carla Zambelli. O primeiro ouvido foi Valdemar Costa Neto, presidente do PL — partido ao qual a deputada é filiada. O político pôs em xeque o depoimento que Walter Delgatti prestou à Polícia Federal no ano ado e contestou o advogado que representa o hacker. A situação gerou um mal-estar porque Valdemar abriu seu relato afirmando que não teve boa impressão do advogado de Delgatti quando o encontrou.
"Conheci ele [Delgatti] quando ele veio aqui na sede do partido. Eu nunca tinha visto ele e nem o advogado dele. E não tive uma boa impressão do advogado", disse Valdemar antes de ser rebatido por Ariovaldo Moreira, responsável pela defesa do hacker. "A impressão que tive do senhor também foi péssima", contestou o advogado.
Em seu depoimento, o presidente do PL disse que Zambelli levou o hacker à sede do partido, em Brasília, porque Delgatti queria conhecê-lo. "Achei que ele queria vir aqui, me conhecer, mas me surpreendeu porque ele disse que queria trabalhar no partido. Eu não sabia que ele tinha vindo aqui para pedir emprego", declarou Valdemar. O político garantiu não ter encontrado o hacker depois dessa ocasião.
Ariovaldo Moreira refutou a declaração de Valdemar e disse que o político se interessou pelas atividades ilícitas de Delgatti. Afirmou, também, que o presidente do PL encaminhou o hacker para uma conversa com Duda Lima, então marqueteiro da campanha de Jair Bolsonaro (PL) à reeleição presidencial. Segundo o depoimento de Delgatti à Polícia Federal, Duda Lima teria sugerido que ele desse uma entrevista ao portal Metrópoles se manifestando favorável à esquerda e contestando a segurança das urnas eletrônicas. O marqueteiro teria, ainda segundo Delgatti, pedido que ele mostrasse como era possível fraudar as urnas.
Valdemar negou que isso tenha acontecido. "Eu liguei pro Duda [no dia do encontro] porque queria ficar livre de vocês", disse o político para o advogado. "O Duda estava aqui no andar debaixo. Eu liguei para ele receber vocês para ver se vocês iam embora porque tive péssima impressão", acrescentou. Sobre o encontro com Duda, Valdemar disse que o marqueteiro também não gostou de Delgatti e do advogado. "Perguntei para o Duda sobre a conversa e ele falou o seguinte: 'isso é fria, isso é frio'. Não acredito que o Duda tenha feito qualquer proposta para ele", garantiu.
O Supremo também ouviu nesta quinta-feira dois presos que seriam beneficiados pelos alvarás de soltura falsos inseridos no Banco Nacional de Mandados pelo hacker. Os dois disseram que não conhecem Delgatti ou a deputada Carla Zambelli.