Ler costuma ser um processo solitário. O ato de desvendar nas páginas o que um autor escreveu exige comprometimento e concentração, algo que fatalmente deve ser feito por uma única pessoa. Porém, ao fim de uma obra, especialmente aquelas que fazem a cabeça fervilhar, pode ocorrer de o leitor querer compartilhar a experiência, mas nem sempre encontrar correspondentes entre os seus.

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Por essa e por outras, é que existem os clubes do livro, no qual um grupo de pessoas troca impressões a respeito de um mesmo exemplar. A ideia promover um debate aprofundado entre leitores comuns de um livro, que, no fim das contas, acaba por resultar no ampliamento das percepções sobre a escrita.

Nos últimos anos, Belo Horizonte tem servido de terreno fértil para esse movimento. A reportagem contou pelo menos oito clubes do livro na capital, presentes especialmente na região Centro-Sul. Os grupos são abertos ao público, acontecem geralmente uma vez por mês e não exigem um valor de entrada.

Geralmente, a próxima obra a ser debatida é escolhida em votação presencial ou pelo WhatsApp. É recomendado que o livro votado seja lido antes do encontro, mas isso também não é regra. Também não há restrições quanto à idade: para participar, basta ser respeitoso e estar aberto a novas ideias.

Um dos clubes mais antigos da cidade é o Leia Mulheres, criado originalmente em março de 2015 na cidade de São Paulo e que chegou em BH em setembro daquele mesmo ano.

Mediado pela cientista política Mariana Queiroz Castro e pela professora Ana Paula Menezes, a proposta “sempre foi mostrar que as mulheres escrevem sobre todo e qualquer tema e que não existe a chamada ‘literatura feminina.’” “E o principal: ler e trazer mais visibilidade à literatura feita por mulheres”, aponta Mariana. 

Na avaliação da professora Ana Paula Menezes, após o momento solitário da leitura, se encontrar para debater o livro faz com que as pessoas tenham contato com leituras diferentes das quais elas mesmas fizeram. “Geralmente o livro ‘cresce’ após os encontros. Além disso, ter um prazo para a leitura do livro faz com que a pessoa se comprometa um pouco mais, o que acaba fazendo com que ela dedique mais horas à leitura”, aponta.

Leia Mulheres existe desde 2015. Crédito: André Castro/divulgação

 

Além do Leia Mulheres, Mariana criou, em 2019, conjuntamente com coordenadores da Casa Socialista, outro grupo do livro, o Leitura Camarada. Neste caso, a ideia foi “unir o debate de cultura com política.” “A proposta é debater politicamente obras literárias, já que entendemos que tudo é político, inclusive, a arte”, pondera Mariana.

Segundo a gestora cultural Nina Morena, que também faz parte do clube, a proposta é sempre diversificar na escolha dos autores. “No Leitura Camarada, buscamos sempre selecionar obras de autores e autoras com vivências diversas, de diferentes contextos socioeconômicos, regiões, raças e gêneros, para que nossos debates sejam plurais e representativos”, ressalta Nina.

Clube do livro Leitura Camarada. Foto: Arquivo pessoal

Outro clube de leitura de longa estrada em Belo Horizonte é o da livraria do Cine Belas Artes. Funcionando há quase 10 anos sob comando da livreira Ingrid Silva Melo, o clube propõe a leitura de ficção contemporânea, com a realização de 11 encontros por ano. 

“No fim do ano, também há uma troca de livros e cartas”, revela Ingrid. Segundo a livreira, os encontros propõem uma conversa informal sobre a experiência com os livros. “Participam pessoas de 17 a 80 anos, desde os mais jovens até senhores. As relações vão crescendo, se formando como uma comunidade, de forma natural. É uma prática simples, mas extremamente enriquecedora”, avalia a livreira. 

Clube do livro da Libraria do Belas. Foto: Arquivo pessoal

 

A livraria do Belas também abriga outro clube do livro, o Círculo de Poemas, comandado pelos poetas Adriane Garcia e Renato Negrão, que escolhem livros publicados pela Fósforo Editora. “É um pouco diferente porque as poesias são lidas nos encontros, tem menos discussão porque o interesse é pela palavra”, explica.

Círculo de Poemas na livraria do Belas Artes. Foto: Arquivo pessoal

 

Ingrid coordena ainda outro clube do livro, o do Instituto Cervantes, que teve seu primeiro encontro em março deste ano. A ideia é sempre apresentar literatura de atores hispanohablantes, ou seja, aqueles que falam espanhol. Os encontros acontecem em português, mas a ideia é que, a partir de setembro, as pessoas possam falar em espanhol. 

Clube do livro do Instituto Cervantes. Foto: Arquivo pessoal

 

Pandemia como propulsora

Livreiro e proprietário da Quixote Livraria e Café, Alencar Perdigão avalia que o fim da pandemia pode ser um dos motivos para maior interesse das pessoas sobre os clubes do livro, uma vez que, cansadas do virtual, têm buscado atividades que exijam presença física. Ele conta que o clube do livro da livraria, localizada rua Fernandes Tourinho, na Savassi, surgiu antes da crise sanitária, mas precisou ser suspenso por conta da restrição de contato.

“Com o fim da pandemia, o clube voltou mais fortalecido, e o isolamento acabou contribuindo para a criação de novos leitores”, analisa. Perdigão se uniu a Cleide Simões, professora de literatura e autora da página Grilo Falante no Instagram, e os dois criaram o Quixote Falante, que se reúne mensalmente para discutir uma obra. “Os encontros são bem fluidos, e o mediador surge para conduzir a conversa, mas a participação é geral”, detalha.

Clube do livro Quixote Falante. Foto: Arquivo pessoal

 

Bem pertinho da Quixote, também na Fernandes Tourinho, conhecida como a Rua da Literatura, funciona outro clube do livro, desta vez abrigado pela livraria Jenipapo, a antiga Ouvidor. Comandado por Tatiane Fontes e Fred Pinho, o JeniPapo Literário (uma brincadeira com a cacofonia da palavra jenipapo) foi criado para estreitar a relação dos leitores que frequentam o espaço.

“Nós, como livraria, precisamos cuidar disso: é nosso papel também ampliar o número de pessoas interessadas pela literatura. Os clubes do livro têm a potência de, por meio do encontro, fomentar uma relação mais próxima das pessoas com a literatura, inclusive aquelas que não têm o hábito de ler”, avalia Fred Pinho.

Jenipapo Literário acontece na livraria Jenipapo. Foto: Arquivo pessoal

Já o clube do livro de Minas Tênis Clube surgiu a partir de uma demanda dos frequentadores da biblioteca do espaço. “Nós já indicamos leituras para quem vai até a biblioteca, e as pessoas começaram a falar que gostariam de partilhar o que estavam lendo com mais gente”, comenta o bibliotecário Rafael Mussolini. Desde dezembro do ano ado, a cada mês, o público lê e debate uma obra escolhida pelo bibliotecário. 

“Sempre escuto o comentário de que alguém entra com um livro e sai com outro, porque há uma troca muito grande. O clube funciona como uma soma de múltiplos olhares: a forma como vemos um livro depende muitas do momento em que estamos, mas quando você escuta outras opiniões, acaba pegando outras nuances que poderiam ter ado batido”, avalia.

Clube do livro do Minas. Foto: Sâmara Oliveira/ MTC